Oftalmologia
A história da
oftalmologia ocupa um lugar especial na evolução da medicina em virtude das
peculiaridades do órgão da visão: a importância de sua função e o mistério de seu
funcionamento fizeram com que, durante muito tempo, fossem atribuídos ao olho
poderes mágicos, benfazejos ou nefastos, capazes de lançar mau-olhado ou
quebranto.
Oftalmologia é a
especialidade médica à qual cabem o estudo, o diagnóstico e o tratamento das
doenças e lesões do olho e seus órgãos anexos. O oftalmologista se dedica não
só aos aspectos patológicos da visão, mas também à análise de sua fisiologia.
Histórico
A oftalmologia foi um dos primeiros ramos da
medicina a ser tratado como especialidade independente. Os antigos egípcios já estudavam
o órgão da visão, mas a oftalmologia clínica começou realmente com os gregos.
Hipócrates e seus alunos estudaram minuciosamente as doenças oculares. Datam
dessa época as primeiras descrições anatômicas do olho. A oftalmologia romana
foi herdeira direta da medicina grega e, particularmente, da escola de
Alexandria. Entre os árabes, teve grande importância a obra Dez tratados sobre
o olho, de Hunayn ibn Ishaq.
Na Idade Média, a
oftalmologia era praticada principalmente de forma itinerante, por indivíduos
com conhecimentos rudimentares sobre o assunto. No século XVII, os progressos
na área se aceleraram. Kepler, Descartes e Christoph Scheiner descobriram as
características da refração ocular, em especial a acomodação e a inversão da
imagem retiniana. No século XVIII, descobriu-se que o cristalino era a sede da
catarata. Outros progressos cirúrgicos realizaram-se no mesmo século: o
primeiro cateterismo das vias lacrimais foi feito em 1714 por Dominique Anel, e
em 1737 John Taylor praticou a primeira intervenção cirúrgica para corrigir o
estrabismo. As primeiras descrições de deficiências visuais incluíam o glaucoma
(1750), a cegueira noturna (1767), a cegueira para as cores (1794) e o
astigmatismo (1801).
O primeiro curso
formal de oftalmologia foi ministrado na Universidade de Göttingen, em 1803,
dois anos antes de ser aberta a primeira clínica de olhos, com ênfase no
ensino. A invenção do oftalmoscópio (1851), aparelho que serve para observar o
interior do olho, atribuída a Hermann Von Helmholtz, permitiu relacionar
deficiências visuais a estados patológicos internos. Os avanços ópticos obtidos
pelo médico holandês Frans Cornelis Donders, em 1864, permitiram criar o
moderno sistema de prescrição e adaptação de óculos para deficiências visuais
específicas.
A primeira metade
do século XX foi marcada por inovações no campo cirúrgico, como a criada por
Jules Gonin para corrigir o descolamento de retina. Allvar Gullstrand e Alfred
Vogt inventaram uma lâmpada que permite observações microscópicas do segmento
anterior do olho (córnea, íris e outros componentes). Após a segunda guerra
mundial, os progressos se aceleraram. Novos métodos de exame, como o
eletrorretinograma, a ecografia, a gonioscopia e a tonografia eletrônica,
forneceram diagnósticos mais seguros. Os avanços se deram principalmente no
campo da prevenção de doenças oculares por meio da realização de exames
regulares e do tratamento precoce de deficiências visuais congênitas.
Criaram-se também os bancos de olhos, que facilitaram a obtenção de córneas para
transplantes.
No final do
século XX, as técnicas microcirúrgicas obtiveram resultados satisfatórios em
intervenções antes complexas, como a queratoplastia (cirurgia plástica da
córnea) e a goniotomia, operação que possibilita a correção do glaucoma em grande
número de casos. Entre os progressos mais notáveis da moderna oftalmologia
estão também os métodos de colocação de lentes acrílicas na córnea e as
cirurgias corretivas que utilizam ecografia e raios laser.
Distúrbios da visão
O sistema óptico
do olho pode ser equiparado, em termos físicos, a uma lente convergente capaz
de projetar imagens invertidas e reduzidas dos objetos sobre a retina, membrana
mais interna do globo ocular. A correta focalização de uma imagem depende do
poder de refração do cristalino, corpo transparente biconvexo que funciona como
lente. A percepção da imagem é condicionada, por sua vez, à acomodação ocular,
capacidade de curvatura do cristalino. Tal faculdade permite fixar e focalizar
sobre a retina imagens situadas a menos de seis metros. O olho dotado de tal
condição é normal, ou emétrope.
Existem muitas
alterações, ou ametropias, que não se consideram como doenças oftálmicas porque
dispensam tratamento clínico e são passíveis de correção óptica. No olho
amétrope, a imagem de um objeto se forma não exatamente no plano da retina, mas
antes dele, o que caracteriza a miopia; ou depois, caso da hipermetropia. Os
dois estados correspondem, respectivamente, à dificuldade de percepção visual
de objetos situados a longas e a curtas distâncias. A variante da hipermetropia
chamada presbiopia, conhecida popularmente como vista cansada, se manifesta na
maturidade em decorrência da redução do poder de acomodação ocular, por causa
do enfraquecimento do músculo ciliar e da pouca elasticidade do cristalino.
Outro distúrbio
oftálmico comum é o astigmatismo, causado por variações no raio da curvatura
dos meridianos de alguma das membranas oculares e, mais freqüentemente, da
córnea. Por essa razão, o astigmata enxerga imagens fora de foco e, principalmente,
linhas nítidas apenas na direção de um dos meridianos. Entre as
discromatopsias, ou dificuldades para o discernimento de cores, figura
especialmente o daltonismo, variedade de distúrbio óptico caracterizada por
cegueira total ou parcial para algumas cores, como o vermelho e o verde.
Correções
Miopia e hipermetropia se corrigem com a
aplicação de lentes esféricas positivas (convexas, biconvexas etc.) ou
negativas (côncavas, bicôncavas etc.). O astigmatismo é tratado com o uso de
lentes cilíndricas que permitem transportar um dos focos sobre o eixo do outro,
e assim compensar o desequilíbrio no raio dos meridianos. É freqüente a
utilização de lentes de contato que combinam lentes cilíndricas e esféricas, já
que em boa parte dos casos os defeitos ópticos não ocorrem isoladamente. A
magnitude dos distúrbios visuais se avalia em função da capacidade de
convergência das lentes necessárias para corrigi-los, medida em dioptrias, ou
graus, como se conhecem popularmente essas unidades.
As lentes usadas
em oftalmologia podem ser de vidro ou acrílico, no caso dos óculos. As lentes
de contato, pequenas peças de acrílico rígido ou flexível, são postas
diretamente em contato com a córnea e requerem a ação lubrificante do humor
lacrimal ou de uma película formada por colírio adequado. Tais lentes são
empregadas por motivos estéticos, por necessidades impostas pela atividade do
indivíduo ou por indicações clínicas (queratocone, alto grau de ametropia, após
extração do cristalino por catarata etc.).
Motilidade ocular
A oftalmologia se
ocupa também do tratamento das deficiências visuais decorrentes de disfunções
no movimento ocular, geralmente congênitas ou relacionadas com alterações dos
músculos oculares correspondentes. O mais freqüente desses distúrbios é o estrabismo,
desvio de um ou dos dois olhos, de tal forma que ambos os eixos visuais nunca
ficam paralelos. O estrabismo pode ser classificado em concomitante (em que o
ângulo anormal entre os eixos visuais permanece constante) e paralítico (quando
o ângulo entre os dois eixos é variável). Essas alterações motoras causam a
diplopia, ou dupla visão; a ambliopia, diminuição da acuidade visual de um dos
olhos; e a perda completa da visão pelo olho afetado.
Além das
deficiências visuais, também merece atenção dos oftalmologistas o tratamento
das afecções dos anexos oculares, como o aparelho lacrimal, as pálpebras e a
conjuntiva, membrana mucosa extremamente fina que reveste a porção anterior do
globo ocular e a parte interna das pálpebras. Um dos processos patológicos
lacrimais mais comuns é a dacriocistite, inflamação do saco lacrimal que em
casos avançados pode produzir tumefação dolorosa e secreção purulenta. Entre as
doenças mais comuns que afetam as pálpebras estão as blefarites (inflamações) e
as deformações traumáticas ou genéticas. São também freqüentes as
conjuntivites, inflamações da conjuntiva decorrentes da ação de bactérias,
vírus, fungos ou causadas por alergias.
Doenças do globo ocular
Entre os
processos que afetam as membranas oculares, apresenta elevada incidência a
queratite, ou infecção da córnea, e o queratocone, deformação dos cones que
compõem a córnea. O cristalino, corpo lenticular transparente, pode ser afetado
por uma série de doenças específicas, exceto as infecções, dada a ausência de irrigação
sangüínea nesse corpo. As lesões mais comuns são as cataratas, formações opacas
que anulam a necessária transparência do cristalino e decorrem de processos
congênitos, adquiridos ou, na maioria das vezes, resultantes de transformações
metabólicas próprias da idade avançada. O tratamento cirúrgico da catarata
apresenta resultados satisfatórios.
A íris, o corpo
ciliar e as coróides constituem a camada pigmentada do olho, ou úvea, que sofre
diversos processos inflamatórios, denominados genericamente uveítes.
Especificamente, distinguem-se as irites, as coroidites e as iridociclites.
Entre as retinopatias estão retinites (inflamações) e, mais freqüentemente, o
descolamento de retina, que pode resultar em cegueira e cuja única forma de
tratamento é a cirurgia.
Uma das doenças
oculares mais graves é o glaucoma, determinado pelo aumento da tensão
intra-ocular, que causa desde perturbações brandas da visão até a cegueira
completa. A pressão intra-ocular aumentada é conseqüência de um desequilíbrio
entre produção e reabsorção do humor aquoso, em decorrência principalmente de
problemas de drenagem. Se não for feito um escoamento adequado do humor aquoso,
a doença pode levar a rápida perda de visão e dores intensas nos olhos.
Exame oftalmológico
O exame oftalmológico inclui um
histórico dos sintomas e sinais apresentados pelo paciente, testes para
verificar a função visual e exames físicos dos olhos com o auxílio de
equipamentos especiais. O teste mais importante é o de acuidade visual,
executado geralmente com a disposição de uma série de letras de tamanhos
variados a uma distância fixa do paciente, que deve ler em voz alta até a linha
mais baixa que conseguir. A acuidade visual é determinada então em função do
tamanho da letra e da distância a que foi lida. O campo visual do indivíduo é
avaliado num teste em que se movimenta um ponto luminoso a partir da periferia
até um ponto central visto pelo olho. A área em que o ponto luminoso consegue
ser visto pode ser desenhada como um mapa do campo visual do olho do paciente.
Outros exames
incluem teste de visão de cores e de percepção visual sob condições de pouca
iluminação. Exames externos do olho e de parte do segmento anterior do globo
ocular são feitos com o auxílio de um biomicroscópio -- microscópio binocular ao
qual é acoplada uma lâmpada de fenda, uma fonte variável de luz que é projetada
dentro do olho sob a forma de um feixe difuso ou semelhante a uma fresta mais
ou menos estreita. O oftalmoscópio ilumina o interior do globo ocular e permite
a observação do fundo do olho.
Entre os métodos
de exame especializados estão a avaliação do ângulo da câmara anterior do olho
por meio de uma lente de contato especial, com ajuda do biomicroscópio. As respostas
elétricas da retina e do cérebro à luz que penetra no olho também podem ser
registradas. A medição da pressão intra-ocular é uma parte importante do exame
oftalmológico e se faz com o tonômetro, aparelho projetado especialmente para
essa finalidade.
O poder
refringente do olho pode ser medido num processo de tentativa e erro, por meio
da utilização de diferentes lentes até que se descubra qual delas corrige
melhor o problema do paciente. Resultados mais precisos, no entanto, podem ser
obtidos com o emprego do retinoscópio, instrumento que faz uma avaliação
objetiva do poder de refração, suscetível de ser ajustada depois de acordo com
as necessidades individuais do paciente