Fabio Bonvenuto, o maestro do silêncio A combinação de um erro da Secretaria de Educação, a curiosidade de uma diretora e o interesse de um educador não poderia resultar em um projeto mais inusitado: uma orquestra composta apenas por alunos surdos. O projeto começou há cinco anos na Escola Municipal de Educação Especial (EMEE) Madre Lucie Bray, no bairro paulistano de Jaçanã. Na época, a diretora do colégio recebeu, por engano, um formulário da Secretaria de Educação perguntando se o colégio se interessava em ter uma orquestra. Ela não avisou a Secretaria sobre o erro e realizou uma enquete dentro da escola para avaliar o interesse pela atividade. Diante do resultado positivo, inscreveu o colégio na lista de instituições que poderiam ter uma orquestra. O educador e maestro Fábio Bonvenuto, 42 anos, se interessou pela idéia e sua aposta não poderia ter dado mais certo: sob o nome "Música do Silêncio", a orquestra já soma apresentações no SESC Interlagos, Loja Maçônica da Liberdade, Bienal do Livro, Festa da Primavera em Mairiporã, Festival de Bandas da Cidade de São Paulo, além de seminários, congressos e simpósios sobre inclusão social. Atualmente o projeto Música do Silência conta com 60 alunos surdos da EMEE Madre Lucie Bray participando das aulas de música e 40 alunos ouvintes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Marechal Rondon, ambas na Capital Paulista. Além do progresso dos jovens músicos, o empenho de Fábio Bonvenuto ainda lhe rendeu o Prêmio Professor em Destaque da Cidade de São Paulo, entregue em setembro. Conversamos um pouco com o maestro para saber as motivações e desafios do projeto e da inclusão musical de deficientes. Veja o bate papo a seguir: -- Como você se interessou em lecionar para alunos deficientes? A causa com a deficiência e inclusão me foi apresentada ainda durante o curso superior, quando uma entidade que cuida de crianças com necessidades especiais chamada Casa de David, na Rodovia Fernão Dias, me convidou para iniciar um projeto de música com os internos que rendeu várias apresentações no Estado de São Paulo. Depois, foi a musicografia Braille (partitura em Braille) que me cativou. Aprendi a ler o Braille e depois os códigos musicográficos com o professor Zoilo Lara de Toledo da Fundação Dorina Nowill e por fim a música com surdos, que fez estudar a LIBRAS. -- Quando você começou, cometeu algum erro que também pode estar sendo cometido por outros educadores que trabalham com alunos especiais? Por ter feito um curso de extensão em musicoterapia, acabei no início confundindo as atribuições de professor com musicoterapeuta, mas percebi a diferença que há no ensino de música dentro de um Conservatório Musical, do ensino de música dentro da Escola Regular e do ensino musical dentro da limitação de projetos. Ensinar música para alunos especiais como educador não é fazer atendimento clínico. -- Quais os desafios que alunos especiais exigem de educadores que decidem optar por esta área? É necessário entender as especificidades da pessoa a ser atendida, as restrições físicas e mentais, para poder orientar de forma adequada e eficaz, e assim, suplantar as dificuldades. Quando for uma pessoa com deficiência visual, por exemplo, conhecer o Braille, Musicografia Braille, além das formas de tratamento e mobilidade da pessoa com deficiência visual. No caso de deficiente auditivo, conhecer a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para sua comunicação com o surdo. Mas o mais importante é se comunicar, mesmo que seja através de palavras escritas. É fundamental compreender que o educador musical não é um musicoterapeuta e seus objetivos e procedimentos também não. Há muita confusão neste campo. -- Quais pesquisas você realizou para lecionar percussão para alunos especiais? A princípio utilizei o livro "musicalidade do Surdo" de Nadir Haguiara como ponto de partida. Mas o foco do livro não é a performance, então busquei na experiência de vida pessoal e artística de Evelyn Glennie, percussionista escocesa surda desde os 12 anos. Também aproveitei o curso de Percussão Sinfônica realizado na Escola Municipal de Música com a Professora Elizabeth Del Grande, e ainda toda a filosofia de trabalho dos Círculos de Percussão. -- Você estabeleceu algum tipo de meta para este trabalho? A meta inicial era apenas a inclusão e a possibilidade de apresentações externas, o que foi alcançado plenamente, o novo passo é a utilização do vibrafone como instrumento melódico e harmônico nas aulas. -- Hoje os alunos têm um repertório variado, mas, a princípio, houve alguma preferência por algum ritmo específico? A princípio utilizamos instrumentos de sopro, mas eles não convenceram os alunos, assim como os de cordas. A percussão teve um apelo mais real na captação e reprodução do som; iniciamos como o treme terra e aos poucos partimos para as tumbadoras, ashikos, djembés e cajón, além é claro da bateria tipo americana. O baião parece que sempre é recorrente entre os surdos, mas as células rítmicas no início mais pareciam um mantra de repetição, um ostinato e que contagiava a todos. Foi muito interessante essa fase de construção das frases rítmicas. -- Como eles passaram a se relacionar com os instrumentos? No início parece que há uma necessidade de se tocar tudo muito forte, mas aos poucos vão compreendendo as propriedades do som e começam a tirar proveito delas. Um fato curioso foi a conversa de duas alunas que questionavam até onde o som que elas produziam com um pandeirão do Maranhão poderia chegar. Uma acreditava que daria pra ser ouvido em outro Estado, a outra dizia que chegaria até o bairro de Santana (a cerca de 6 km da escola), eu interferi e informei que o som chegava apenas do outro lado da rua, elas não tinham noção da propagação do som. -- Que mudanças de comportamento você notou ao longo do aprendizado? A mudança mais significativa na estola é relatada pelas próprias professoras de classe, que afirmam ter uma ferramenta nova de estímulo para a prática do estudo, além é claro de um reforço pra ajudar no comportamento. As famílias confessam que os filhos ficam ensaiando em casa e não vêem a hora das apresentações que para eles é um momento pra lá de importante. -- Em sua opinião, a educação musical de alunos especiais tem sido bem explorada pelas faculdades e pesquisadores da área? A educação especial e a inclusão no Brasil estão engatinhando, precisamos nos unir em torno de uma causa sem mesquinharias, pois ainda acontece, por exemplo, a retenção de informação por conta de uma reserva de mercado. Mais informações sobre Fábio Bonvenuto no site: www.fabiobonvenuto.blogspot.com Esta reportagem está disponível no site: http://www.escolasdemusica.com.br/nt_flash/