CANTINHO DA PANDORA





A Literatura Infantil na "Era Tecnológica"

Joana Belarmino

Discutir a questão do "fazer literatura infantil" na contemporaneidade, assim como a utilização desse tipo de literatura como aporte importante no aprendizado da criança, implica considerar o contexto pos-industrial em que vivemos, levar em conta sobretudo o seu modelo de desenvolvimento, calcado no avanço das novas tecnologias de informação e de comunicação e no seu alastramento a quase todos os domínios da vida social.

Alguns pensadores já encontraram algumas metáforas para definir a contemporaneidade; muitos categorizam a época atual como "era tecnológica", ou "sociedade informacional"; Esse processo de desenvolvimento que ganhou maior impulso com a revolução industrial (século XVIII), se em princípio organizou nos grandes sistemas industriais, a produção, circulação e distribuição de bens materiais (automóveis, vestimentas, cosméticos, alimentação, etc, etc), aos poucos alcançou o domínio da produção cultural, organizando do mesmo modo, em escala comercial, a produção, circulação e distribuição dos chamados bens culturais na área da música, cinema, a arte de um modo geral, aí incluída a literatura, em suas diversas modalidades.

O século XX deu um particular e grandioso impulso a essa trajetória desenvolvimentista. A tal ponto que estamos vivenciando hoje, a supremacia da televisão como meio produtor e distribuidor de bens culturais, ao lado da informática e de suas múltiplas possibilidades.
Temos então, por um lado, uma supervalorização do mercado e do consumo; por outro lado, as novas tecnologias influenciando tanto na criatividade, no "fazer" artístico, como na fruição dessas produções. A criança, sobretudo, absorve com muita facilidade esse cenário das novas tecnologias e as suas produções, visto que, como alguns de nós, elas já nasceram com esses novos meios incorporados à sua vida cotidiana; elas não têm um quadro anterior de referências que se confronte com essa nova realidade tecnológica; é gozado pensar por exemplo, que alguns de nós, nascemos em uma época em que em muitas cidades do mundo, não se cogitava ainda a implantação de redes de televisão.

Que desafios estão pois colocados para os escritores de literatura infantil na contemporaneidade? Qual deve ser a sua conduta frente a esse contexto em que a cultura acha-se subordinada às leis do mercado e do consumo e em que o "fazer artístico" sofre profunda influência dessas novas tecnologias?
Em todas as culturas, sempre que alguma realidade nova surgiu, provocou reações de temor ou de encantamento; em geral se imaginou, por exemplo, que o rádio liquidaria o jornal e que, a televisão, por sua vez, daria cabo das outras duas formas de comunicação. Do mesmo modo, em relação às novas tecnologias de informática, se desenvolve a idéia de que em um futuro breve, o texto impreso, na forma de livro, jornal terão se extinguido.

Poderíamos dizer que essas são algumas das ilusões da contemporaneidade. Na verdade, esses meios de informação e de comunicação, do modo como estão articulados, tanto do ponto de vista da grande indústria, como no tocante às informações que produzem, precisam ser compreendidos como meios complementares, numa sociedade que diversificou e pluralizou suas formas de produção e de acesso aos bens culturais.
Desse modo, nenhum meio substitui ou inviabiliza o outro, mas cada meio amplia ou complementa o outro. Então, apesar da exacerbada tendência para o consumo, para a mercadorização dos produtos culturais, penso que fazer literatura infantil na contemporaneidade não deve ser pensado como um exercício desanimador. Essa produção deve sim, estar sintonizada com a realidade tecnológica; deve sobretudo estar sintonizada com esse indivíduo típico da cultura pos-industrial, que é um indivíduo fundamentalmente diverso daquele forjado por exemplo, à época de culturas em que a única fonte de acumulação do saber era a escrita.

As novas tecnologias, longe de ameaçarem o lugar da literatura, obrigam-na a refazer caminhos, a incorporar valores e estratégiasna sua produção literária.
Sobretudo, há que se perceber a nova tecnologia, não como a panacéia que revolucionará o mundo e os seus valores, ou como algo que destruirá as relações e os valores; a tecnologia não passa de uma ferramenta a mais, que se bem dosada com as outras realidades presentes no ambiente da criação artística, ou no ambiente do aprendizado da criança, serão importantes facilitadores para uma maior qualidade desses processos.
Para o escritor, me parece, a fim de que se estabeleça uma diferenciação fundamental entre uma produção voltada para o mercado e outra, verdadeiramente qualitativa, impõe-se ainda uma questão de fundo: qual é o papel do escritor de literatura infantil na sociedade? Com quem ou com que projeto ele está comprometido?

Eu penso que o bom escritor, aquele que leva a sério a sua arte, é tanmbém, através das suas obras, um colaborador no processo de aprendizado da criança; um educador, um facilitador do crescimento daquela criança para quem escreve, é aquele que, através dos seus personagens, não planta a catequese ou o doutrinamento, mas auxilia no surgimento do sujeito crítico, um sujeito que possa ser capaz de olhar para o mundo e fazer escolhas éticas e conscientes.
Sempre que sou convidada a fazer palestras, imagino que os participantes, ao lerem as temáticas propostas, aliam por sua vez, a essas temáticas, um conjunto de interesses particulares que gostariam ver contemplados ali. Imagino que pude contemplar minimamente, interesses de alguns participantes desse evento; talvez não contemplei outros; na verdade, a minha intenção, dentro dos limites do tempo, era levantar algumas pistas, oferecer alguns elementos para um debate sobre essas questões. Não poderia no entanto deixar de falar da minha própria experiência com literatura infantil e assim levantar novos pontos de discussão para o nosso debate. Não tenho uma produção muito vasta de livros infantis. São apenas três títulos. Sobretudo tem me inquietado muito essa tendência para uma produção de livros voltados ao atendimento do mercado, do consumo; mas ao mesmo tempo, tenho uma crença muito forte na criança, no seu mundo fantasmático, na sua capacidade de diálogo com esse mundo da criação literária. Então, quando escrevo um livro, sempre penso que uma criança gostará de travar conhecimento com aquele mundinho, aqueles personagens. sempre haverá uma ou mais crianças que não sogfreram mutilações na sua capacidade de criar, de dialogar, de inventar o mundo; essas mutilações podem advir da família, ou até mesmo da escola, que desconsidera a liberdade de pensamento da criança, que muitas vezes, em vez de informá-la, procura enformá-la num sistema de ensino que acaba sendo uma camisa de força para a criatividade infantil.
Então eu penso que se o sistema educacional não for capaz de fazer pontes com a literatura, mas pontes saudáveis, sem coações, sem imposições, sem obrigaçoes de cunho supostamente pedagógico, então, sempre haverá lugar para o livro infantil e sempre, para lembrar Monteiro Lobato, haverá crianças morando dentro de suas histórias e sendo capazes de reinventar o mundo.

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