IDENTIDADE DOS ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO CONTEXTO DA
POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA
Prof. Dr. Marcos J. S. Mazzotta
Resumo
Analisando a linguagem política referente aos alunos com necessidades educacionais especiais, à inclusão e à integração escolar, o autor pode constatar a ambigüidade do tratamento de tais termos e expressões, no conjunto de instrumentos legais e normativos da educação brasileira nos últimos quatorze anos. Destacando conteúdos do Plano Nacional de Educação e das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, aponta algumas das dificuldades para a compreensão da identidade dos alunos referidos como tendo necessidades educacionais especiais. Apresenta, também, algumas recomendações para a revisão da política educacional em relação a tais elementos.
Palavras-chave:
inclusão escolar, educação especial, política educacional
Abstract
Analyzing the political language
regarding the students with special educational needs, to the inclusion and the
school integration, the author can verify the ambiguity of the treatment of
such terms and expressions, in the group of legal and normative instruments of
the Brazilian education in the last fourteen years. Highlighting contents of
the National Plan of Education and of the National Guidelines for the Special
Education in the Basic Education, it aims some of the difficulties for the
understanding of the students' identity referred as tends special educational
needs. It presents, also, some recommendations for the revision of the
educational politics in relation to such elements.
Key words: school inclusion, special
education, educational politics
A complexidade que
envolve a questão da identidade pessoal, da identidade social e mesmo das
identidades nacionais deve-se, em grande parte, à dualidade determinada pela
presença ou ausência de participação ativa, dignidade e respeito. Em outras
palavras, deve-se às situações de inclusão e exclusão ou marginalização do ser
humano enquanto ser que pensa e age.
No
mundo ocidental, as últimas décadas do século XX, configuram-se como destacado
momento da globalização da economia, de valores e culturas, bem como momento de
fortalecimento dos movimentos sociais organizados em defesa da inclusão e
eliminação das situações de exclusão.
Iniciamos
o novo milênio imbuídos da crença na importância da preservação e alargamento dos espaços conquistados na luta
pela melhoria da qualidade de vida de cada um e de todos os homens, pautando-nos
mais pelo desejável do que pelo que nos
apresenta como possível . Nesse sentido, é oportuno lembrar o que dizem
autores como Giddens para quem,
os processos
atuantes em escala global atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando
comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o
mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização
implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da
‘sociedade’ como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma
perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo
do tempo e do espaço (Giddens, 1990,
p.64, apud HALL, 1997, p.72).
Particularmente
no que se refere às identidades culturais, Hall (1997), comenta que
as identificações “globais”, uma vez
colocadas acima do nível da cultura nacional, começam a deslocar e, algumas
vezes, a apagar, as identidades nacionais. As identidades nacionais permanecem
fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de
cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado
mais importantes.(HALL, 1997, p.78)
Da mesma maneira, a busca fundamental do homem pela liberdade, no plano individual, e pela igualdade de direitos e de oportunidades, no espaço social, fortalece a construção de sua identidade pessoal e social. A importância, pois, das comunidades locais e regionais não pode ser ignorada ou diminuída na elaboração, discussão e entendimento das políticas sociais públicas.
Nessa tentativa de síntese, focalizaremos a
linguagem política relativa aos educandos com necessidades educacionais
especiais, a integração e a inclusão escolar, detalhando alguns pontos do Plano
Nacional de Educação e da Resolução CNE no. 02/2001.
Cabe destacar, de início, que a política
educacional é somente uma das áreas das políticas sociais construídas segundo o
princípio da igualdade de todos perante a lei. Assim, ainda que
diferencialmente, abrange igualmente as pessoas de todas as classes sociais.
Tem também como pilar outro princípio da
democracia social que é a igualdade de oportunidades, cuja concretização demanda referência a situações específicas e
historicamente determinadas.
PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Nas diretrizes para o ensino fundamental, o
plano define prazo de cinco anos para sua universalização, considerando a
indissociabilidade entre acesso, permanência e qualidade da educação escolar.
Entre os objetivos e metas consta a
observância das metas estabelecidas pela educação especial, nos termos em que
aparecem no capítulo a ela destinado.
Estabelece o prazo de um ano para “elaborar padrões mínimos nacionais de
infra-estrutura, incluindo adaptação dos edifícios escolares para o atendimento
dos alunos ´portadores de necessidades
especiais`” (MONTE; SIQUEIRA;
MIRANDA, 2001, p.88).
Com relação à Educação Especial reitera que “a diretriz atual é a da plena integração das pessoas com necessidades especiais em todas as áreas da sociedade. Trata-se, portanto, de duas questões: o direito à educação comum a todas as pessoas e o direito de receber essa educação sempre que possível junto com as demais pessoas nas escolas ‘regulares” (Ibid., p.119). Assim, refere-se à integração e não à inclusão, bem como à educação comum e escolas regulares e não à educação e escolas inclusivas.
Referindo-se às pessoas com necessidades especiais, esclarece que tais necessidades “podem ser de várias ordens: visuais, auditivas, físicas, mentais, múltiplas, distúrbios de conduta e também superdotação ou altas habilidades”. Aqui ficam expressas condições individuais como necessidades especiais. Além disso, utiliza indiferenciadamente estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), como “em torno de 10% da população com necessidades especiais”, e dados estatísticos de matrículas de alunos com tal classificação recebendo atendimento na Educação Básica, em 1998, conforme informações do MEC/INEP . Denomina, também, tais alunos como “alunos especiais”. Tais afirmações revelam confusão entre alunos identificados ou rotulados como especiais em atendimentos especializados e alunos com deficiência, superdotação, etc. que estejam incluídos.
Diretrizes
Nas diretrizes menciona uma escola integradora, inclusiva, que
implica a participação da comunidade. Destaca que “a política de inclusão
reorienta as escolas especiais para prestarem apoio aos programas de
integração e registra como medida
importante a garantia de vagas no
ensino regular para os diversos graus e tipos de deficiências”.(Ibid., p.122). Portanto, identifica escola
integradora com escola inclusiva e a política de inclusão objetiva, também,
a integração de alunos com quaisquer deficiências.
Entre suas metas salientamos: -em até quatro
anos, implantar ao menos um centro especializado, destinado a pessoas com severa dificuldade de desenvolvimento, em parceria com as áreas de saúde,
assistência social, trabalho e organizações da sociedade civil;em cinco anos,
garantir a generalização da aplicação de
testes de acuidade visual e auditiva em todas escolas de educação
infantil e ensino fundamental, em parceria com a área de saúde; em cinco anos,
implantar e em dez generalizar o ensino de LIBRAS. Como tendências recentes dos sistemas de
ensino são apontadas: integração/inclusão, quando possível; ampliação do
regulamento das escolas especiais para prestarem apoio e orientação aos
programas de integração, além do específico; melhoria da qualificação dos
professores do ensino fundamental; expansão dos cursos de
formação/especialização .
1. Define os educandos com necessidades
educacionais especiais como sendo os que apresentam: “dificuldades acentuadas
de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades
curriculares”; vinculadas a uma causa orgânica específica ou relacionadas a
condições, disfunções, limitações ou deficiências; “dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais
alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis”; “altas habilidades / superdotação, grande
facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,
procedimentos e atitudes”.
Estabelece que a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos deve ser realizada pela escola, com assessoramento técnico, mediante sua avaliação no processo de ensino e aprendizagem.
2. Reitera que o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ocorrer em classes comuns, indicando que as escolas comuns devem garantir:
professores comuns capacitados e professores de educação
especial especializados; flexibilizações e adaptações curriculares; serviços de apoio especializado realizado nas
classes comuns (“mediante:
colaboração de professor especializado em educação especial, atuação de
professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis e atuação de outros
apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação”); extraordinariamente, classes especiais em
caráter transitório, além de condições para reflexão e elaboração teórica da
educação inclusiva.
Estabelece,
ainda, que o atendimento pode se dar, extraordinariamente, em escolas especiais públicas e privadas, em classes hospitalares e no
domicílio.
Refere-se à
responsabilidade dos sistemas públicos de ensino pela “garantia do atendimento às necessidades educacionais
especiais de seus alunos, observados os princípios da educação inclusiva”.
ANÁLISE CRÍTICA
Sintetizando a análise das políticas públicas de educação escolar, detivemo-nos em alguns dos pontos que nos pareceram merecedores de atenção quando de sua operacionalização e revisão:
1. Há uma oscilação entre a adoção dos modelos médico e social na declaração de princípios e nos programas e propostas de ação.
2.
O sentido
empregado para a expressão educandos com
necessidades educacionais especiais
localiza no aluno a origem das
necessidades e não esclarece a sua relação com o meio escolar. Tanto é assim
que em diversos textos legais e normativos há a expressão “portadores de necessidades especiais” (como LDB, PNE, RES./CNE);
ora refere-se a condições individuais, ora ambientais.
É fundamental que se entenda que as necessidades especiais não decorrem linearmente das condições individuais, tomadas isoladamente, mas apresentam-se concreta e objetivamente na relação entre a pessoa e as situações de vida. Portanto, evidencia um grande equívoco a expressão “Portador de Necessidades Especiais”.
Ainda
a esse respeito, parece-nos relevante destacar que
“alunos e escolas
são assim identificados por seus papéis sociais e não, propriamente, por sua
configuração individual separada ou
isolada de uma contextualização social e cultural. Enquanto papéis sociais e
atores culturais, em suas relações recíprocas surgem necessidades e respostas
condicionadas pelo contorno dinâmico e atuante de seu meio ambiente. Esta
faceta, que parece óbvia, tem sido reiteradamente ignorada nas discussões e
encaminhamentos desse tema, particularmente no que se refere a educandos
portadores de deficiências e que apresentem necessidades especiais.
Alunos e
escolas são adjetivados de comuns ou especiais e em referência a uns e outras
são definidas necessidades comuns ou especiais a partir de critérios
arbitrariamente construídos por abstração, atendendo, muitas vezes, a deleites
pessoais de “experts” ou até mesmo de
espertos. Alertemo-nos, também, para os grandes equívocos que cometemos quando
generalizamos nosso entendimento sobre uma situação particular”.(MAZZOTTA, 2002,
p.31)
3.
Imprecisão conceitual sobre INTEGRAÇÃO e INCLUSÃO, ora
empregadas com o mesmo significado, ora colocadas em oposição ou superação da
integração pela inclusão. Dentre outras conseqüências, tal indefinição
contribui para uma cisão entre “defensores”
da integração e da inclusão, como se o próprio sentido de educação já não fosse
a busca de integração ou inclusão social. Mais ainda, pois, como salienta Glat
(1997), a integração não pode ser vista
simplesmente como um problema de políticas educacionais ou de modificações
pedagógico-curriculares na Educação Especial. Integração é um processo
subjetivo e inter-relacional(GLAT, 1997,p. 199).
4.
Imprecisão no sentido e abrangência da EDUCAÇÃO
ESPECIAL e da EDUCAÇÃO INCLUSIVA, ora colocadas numa relação de oposição, ora
de superação ou incorporação, tanto nos textos legais e normativos quanto nos
discursos de multiplicadores dessas idéias; com a conseqüente desqualificação
da educação especial e dos profissionais que nela atuam, como se fossem artífices
de uma perversidade social e cultural. Tais circunstâncias contribuem para a
evasão dos profissionais especializados, desestímulo à formação de novos
professores especializados e desativação e extinção de cursos superiores de
habilitação específica ou especialização. Além disso, o que é pior,
estabelece-se uma polarização na educação escolar entre classe comum e escola
especial, provocando exclusão de numerosos contingentes de alunos do sistema
escolar.
5. Quanto à qualificação dos professores, estabelece como requisito uma “formação em educação especial ou em suas áreas específicas”, sem a devida fundamentação.
RECOMENDAÇÕES PARA UMA REVISÃO OU OPERACIONALIZAÇÃO:
-
Procurar uma uniformização terminológica nos diversos
setores das políticas públicas para as pessoas com deficiências, com condutas
típicas e pessoas com altas habilidades ou superdotação.Ou para os educandos
com dificuldades acentuadas de aprendizagem, dificuldades de comunicação e
sinalização diferenciadas dos demais alunos ou com altas
habilidades/superdotação.
-
Evitar flutuações excessivas e descontinuidade dos
programas e propostas, pois até que a população alvo possa ser informada as
regras já terão mudado, ou seja, serão outras.
-
Definir com precisão e objetividade a população a ser
atendida, bem como de que forma proceder e a quem procurar quando necessário.
-
Priorizar a informação sobre serviços públicos
governamentais e privados existentes, e
também como proceder para deles usufruir.
-
Zelar pela coerência entre os princípios esposados e as
propostas e programas em ação, consolidando uma política pública de educação.
.
Cabe salientar que, a despeito das diferentes
e às vezes conflitantes abordagens para a implementação de uma educação escolar
inclusiva, a promulgação da recente legislação consiste importantíssimo avanço
ao apoiar publicamente a inclusão escolar de todas as crianças e jovens. E,
como bem diz Mantoan (1997,p.120), “a
inclusão é um motivo para que a escola se modernize e os professores
aperfeiçoem suas práticas e, assim sendo, a inclusão escolar de pessoas
deficientes torna-se uma conseqüência natural de todo um esforço de atualização
e de reestruturação das condições atuais do ensino básico”.
Em razão disso, é preciso que estejamos cientes de que
“multiplicar
informações e conhecimentos não será suficiente enquanto as práticas
profissionais e as políticas públicas continuarem alheias a considerações
éticas, de justiça e de eqüidade. Todas as pesquisas, bibliotecas e bancos de
dados, enquanto não resultem em novas práticas de gestão e mudanças
comportamentais, não resolverão os intricados problemas de nossa sociedade no
limiar do terceiro milênio”.(RATTNER, 2000, p. 362)
E, nesse
momento, devemos estar alertas para o fato de que a política educacional,
enquanto política social pública, tem um
dinamismo que envolve avanços e recuos, desvios e contradições tornando
imperioso não desencadearmos ou
aderirmos a uma proposta de inclusão selvagem a exemplo do que ocorreu nos anos
setenta na Itália com a então conhecida “integração
selvagem”.
Referências bibliográficas
GLAT, Rosana. Um novo olhar sobre
a integração do deficiente. In: MANTOAN, Maria Teresa Egler .(org.) A integração de pessoas com deficiência:
contribuições para uma reflexão sobre o
tema. São Paulo: Memnon; SENAC, 1997.
HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade.Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guaciara Lopes Louro.Rio de Janeiro : DP&A, 1997
MANTOAN, Maria Teresa Egler.
Inclusão escolar de deficientes mentais: que formação para professores? In: MANTOAN,
Maria Teresa Egler.(org.) A integração de
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para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon; SENAC, 1997.
MONTE, Francisca R. F.; SIQUEIRA,
Ivana; MIRANDA, José Rafael.(Orgs.).Direito
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Ministério Público Brasileiro. Brasília: MEC/SEESP, 2001.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Deficiência, educação escolar e necessidades especiais: reflexões sobre inclusão sócio-educacional. São Paulo: Mackenzie, 2002 (Cadernos de Pós-Graduação; 7)
RATTNER, Henrique. Política de ciência e tecnologia no limiar do século. In: RATTNER, H.(Org.) Brasil no limiar do século XXI : Alternativas para a construção de uma sociedade sustentável. São Paulo: EDUSP, 2000
TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos?: iguais e diferentes. Trad. Jaime A . Clasen e Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 1998.
NOTA: Artigo publicado
em: Movimento: Revista de Educação da
Universidade Federal Fluminense. Educação Especial e Inclusiva. N.7 (maio
2003) –Niterói:EdUFF, 2003. p.11- 18.