ESPAÇO BRAILLE: Textos sobre Inclusão...
Vamos fazer um passeio? Vamos lá, não vamos muito longe nem vamos demorar. Quero dizer, a distância vai depender de você, se vai querer ir longe, se vai
querer voltar logo ou se vai ficar lá mais algum tempo. Só vai depender de você. Vamos, então? Nem precisa se vestir, se perfumar, se pentear, pegar bolsa,
carteira, documentos. É um passeio diferente. Fique aí mesmo onde está e feche os olhos. Vamos lá, relaxe só por um instante e dê-se esse momento. Feche
os olhos e vamos passear.
O passeio está começando. Mergulhe em suas lembranças mais queridas. De hoje, de ontem ou de amanhã. Lembranças do que foi tão bom, do bom que está sendo
e do bom que seria... Tente lembrar-se daquele passeio no parque, no balanço ao vento, você fechando os olhos e sentindo o vento gostoso no rosto, quando
descia, quando subia, seu sorriso, sua risada... O balanço subindo e descendo.
Lembra-se de quando você aprendeu a andar de bicicleta? E aquela vez em que fechou os olhos e tirou os pés do pedal? Que delícia deixá-la deslizar só para
ver o quanto conseguia manter os pés levantados e os olhos fechados...
É gostoso também lembrar de quando a gente fazia aniversário na infância. Quando ouvia "abre a boca e fecha os olhos". Ah, essa parte era o máximo, fechava
os olhos e estendia a mão, porque sabia que viria um presentinho legal, alguma coisa esperada, um brinquedo bem maneiro, um carrinho, uma boneca, a bola
que tanto queria. O coração mal cabia no peito.
Mas bom de lembrar mesmo é o primeiro beijo. E o segundo... O terceiro. Todos tão intensos. Achava que era mais difícil, não? Era só encostar o lábio um
pouquinho, fechar os olhos e deixar acontecer. E como acontecia. O céu derramava suas estrelas no chão da sua alma e você não queria abrir os olhos nunca
mais, de tão bom que era... Ou ainda é...
Pronto, o passeio acabou, mas se quiser, pode ficar mais um pouquinho.
Tantos momentos saborosos escondidos na lembrança... Para recuperá-los é só se permitir um passeio, fechar os olhos e se transportar... As boas sensações
voltam apenas com o desejo de senti-las novamente. Simples assim: basta fechar os olhos. Então, nem tudo o que é mais importante na vida precisa ser de
olhos abertos. Observe que a descida do balanço, o presentinho querido, o beijo gostoso, quanto mais fechados os olhos, mais prolongada a emoção. Há muito
tesouro escondido atrás de uns olhos fechados. Há lembranças, há vida, há gente!! E como há! Há inclusive quem não tem escolha: os mantém fechados permanentemente.
Mas há quem resista e ainda acredite que não haja ninguém do outro lado dos olhos fechados. Mas há vida, como a sua, como a minha. Vida a ser vivida intensamente
com olhos bem fechados ou bem abertos. E há, ainda, quem reduza uma pessoa inteira, com todas as suas nuances e infinita riqueza, a apenas um par de olhos
fechados, como se isso fosse tudo. Nem uma coisa nem outra, nem tudo nem nada, apenas um ser. O sentido da visão é apenas um entre tantos outros, mas não
nos faz melhores, mais completos, infalíveis, perfeitos ou imperfeitos. É apenas um elemento a mais ou a menos na vida de cada um.
Maria Isabel da Silva é Jornalista
Escreve sobre inclusão social de pessoas com deficiência
Atualmente, fala-se muito em inclusão: construção de um mundo pra
todos, que respeite as peculiaridades de cada um. Mas, a coisa não é tão
simples assim! Respeitar alguém vai muito além de caridade e compaixão.
Implica, primeiramente, em ver o outro como pessoa dotada de limitações
e de potencialidades, possuidora de direitos e deveres... Algumas
pessoas pensam que uma limitação anatômica, fisiológica, psicológica
e/ou psiquiátrica, faz de quem a tem, menos ser humano, inferior,
alienado, à margem da sociedade... Ver o outro como a si mesmo, é tão
difícil assim? Trata-se de uma mudança atitudinal -- movimento de dentro
pra fora. Leituras, cursos, debates, sempre ajudam, mas, não põem fim a
esse problema. Para se alterar ou ampliar uma visão, é preciso
vivenciar, fazer parte da rotina, conviver de perto em diversos
ambientes. Só assim, pode-se enxergar o outro com um olhar crítico.
Nós, pessoas com deficiência, precisamos de oportunidades e não de
piedade, de direitos igualitários e não de privilégios, de incentivo
para superarmos as barreiras que a nossa deficiência nos impõe.
Andando pelas ruas das cidades, nos deparamos o tempo todo com
situações absurdas de desrespeito ao ser humano:
- carros nas calçadas;
- edificações sem rampas;
- restaurantes, bares e lanchonetes sem cardápio em Braille;
- pessoas incapazes de se "comunicarem" conosco;
- telefones públicos inacessíveis aos cadeirantes e aos anões.
Isso tudo nos entristece, é claro! Mas, o que mais nos sensibiliza,
é a indiferença, o descaso, a falta de credibilidade, enfim, o
desconhecimento de que aos olhos do nosso Criador, somos todos iguais e,
já que somos filhos deste mesmo Pai, criados a sua imagem e semelhança,
merecemos, todos, ser vistos como tal. Porém, isso só vai acontecer,
quando nos despirmos de nossos preconceitos. Para isso, é claro, é
preciso que as pessoas com deficiência estejam ocupando todos os lugares
possíveis, precisamos estar visíveis, provocando questionamentos. Bom,
chegamos num ponto chave: para estarmos diante dos olhos de todos,
precisamos de oportunidades e, para isso, precisamos ser uma categoria
unida, convicta do que queremos, somos e podemos ser, para que, juntos a
essas pessoas, que, hoje, nos ignoram, possamos criar a corrente do bem.
Considero inaceitáveis certas situações:
- pôr em julgamento a nossa capacidade profissional;
- considerar-nos como pessoas doentes;
- duvidar da nossa capacidade de ler o mundo através dos nossos
sentidos remanescentes;
- desconsiderar nossos sentimentos, pensamentos, crenças...
Sabe, isso dói! Machuca a nossa alma e, muitas das vezes, se não
formos pessoas de bem com a gente mesmo, caímos em depressão. Ninguém
tem o direito de provocar isso ao outro.
Temos, é claro, que estar unidos, próximos uns dos outros, para
construirmos uma sociedade inclusiva. Tenho certeza de que um movimento
inclusivo real, só é possível com a participação ativa de pessoas com
deficiência, pois somos nós que sabemos do que precisamos e como isso
pode ser feito. Só a gente pode falar da gente, porém, todos têm que
estar abertos a nos ouvir.
Este dia vai chegar, quando nos conscientizarmos de que o normal é
ser diferente e que só assim, tem graça viver!
Precisamos de você para vencermos essa luta e ela está só começando.
Ana Cristina Teicheira Prado
Em minha caminhada em prol da inclusão das pessoas com deficiência já ouvi, mais de uma vez, alguém dizer que age com exagerado preciosismo (o exagero do
exagero) quem defende a escolha de nomenclatura correta para dirigir-se às pessoas com deficiência; que o melhor é ater-se à defesa dos direitos e se as
tratamos como “portadoras de deficiência” ou deficientes” pouco importa, isso é “detalhe”. Voltando um pouquinho no tempo, quem nunca sofreu com determinado
“apelido” na escola ou na rua do bairro? Termos que se transformam em referência causaram sofrimento na infância de muitos “gordinhos(as)”, “magrelas”,
“pintadinhos(as)”, “dentuços(as)”, “quatro olhos”, “neguinhos(as)”, “branquelas”, etc.
O uso do apelido confere à “vítima” a perpetuação humilhante de ser reconhecida tão somente pelo nome que a “batizaram”. Profissionais da Psicologia são
enfáticos em afirmar que rótulos e apelidos podem interferir na formação psicológica de uma criança e trazer traumas sérios aos adultos. Logicamente há
diferença entre os apelidos carinhosos e os apelidos preconceituosos e, sem dúvida, os termos pejorativos destinados às pessoas com deficiência estão historicamente
acomodados neste segundo grupo. Ao longo dos últimos tempos quem adquiria ou nascia com algum tipo de limitação, passava a ser considerado a própria deficiência,
ou seja, era identificado como “aleijado”, “defeituoso”, e, mais recentemente, “portador de necessidades especiais” e “portador de deficiência”. Costumo
brincar dizendo que, dependendo da circunstância, “necessidades especiais” temos todos, independentemente se tenhamos ou não deficiência.
Quanto ao termo “portador”, vejamos o que nos diz o dicionário: “do Lat. Portatore, adj. e s. m., que ou aquele que leva ou conduz; possuidor (de títulos
ou documentos, que hão de ser pagos a quem os apresente); carregador; Med.: que ou aquele que alberga um micróbio infeccioso sem sofrer os seus efeitos.”
(www.priberam.pt/
). Também utilizamos o termo “portador” a quem leva e traz pacotes, malotes, talão de cheques, bolsas, etc. A pessoa porta tais objetos e quando chega a
seu destino, deixa de ser “portadora”. As pessoas com deficiência não podem “descarregar” ou “retirar” sua deficiência, entregando-as em algum lugar.
Se retiram uma prótese, continuam a ter deficiência. Se deixam a bengala, muleta ou cadeira de rodas de lado, permanecem com a deficiência, mesmo que temporariamente.
Não são, portanto, portadoras de sua deficiência, mas a deficiência é parte delas. Note bem, parte e não ela por inteiro, por mais severa que seja.
Quem tem deficiência não pode ser reduzida à sua deficiência e por isso mesmo não pode ser “apelidado” e identificado pela deficiência que possui. Portanto,
a denominação a que você se refere a quem tem deficiência faz toda diferença. Como se diz, então? Exatamente do jeito como venho tratando desde o início
deste texto: “pessoa com deficiência”, simplesmente. Dessa forma, a ênfase é na pessoa e não em sua limitação. E, embora pareça detalhe a maneira como
se chama, na verdade trata-se de respeito e consideração a quem antes de qualquer coisa é o que o próprio termo a identifica: uma pessoa.
Maria Isabel da Silva
Estou no Aeroporto de Congonhas, que acaba de passar por uma tremenda reforma. Pego o cartão de embarque. Vôo imediato. Decolo pelo saguão. Aterrisso na
escada rolante. Alço vôo até o portão de embarque. Sou um dos últimos passageiros a entrar. Sento, exausto. Ótimo. Valeu por uma aula na academia! Só não
perdi o vôo porque fui a jato. Mas e se tivesse mais idade ou alguma deficiência física?
Os grandes aeroportos internacionais dispõem de esteiras rolantes. É fácil ir e voltar. Tanto Congonhas como Guarulhos não as possuem. Ao se realizar a
ampliação, por que não colocaram as tais esteiras, que facilitam a locomoção de idosos, crianças, deficientes e das pessoas em geral, impedindo inclusive
que tropecem umas nas outras na correria?
Fazem-se as obras, mas sempre falta algo. Tudo é quase bom. Como a Avenida Jornalista Roberto Marinho, antiga Águas Espraiadas. Gastou-se uma fortuna para
construí-la. O traçado inicial ia da Marginal até a Imigrantes. Seria uma alternativa para desafogar o conturbado trânsito da Bandeirantes. Dia desses
errei um caminho e cheguei até o final. Ela termina em um muro! Sim, uma avenida daquele tamanho acaba, sem mais, em um muro ladeado por ruazinhas estreitas!
Seria perfeita, se não faltasse um bom pedaço!
Eu dou graças a Deus todos os dias por não ser um deficiente e obrigado a viver em uma cidade como a nossa. Lançam-se exigências para facilitar acesso aos
deficientes físicos. Todos os teatros e museus são obrigados a ter, por exemplo. Outro dia fui até o Museu da Língua Portuguesa. Tem uma bela rampa. Procurei
um acesso correspondente na calçada e não encontrei. Não há também na ilha que separa o museu da Pinacoteca. Na maior parte dos teatros é assim. Se o deficiente
conseguir chegar até a porta, há o acesso. Mas como vai até lá? Voando? Por ser deficiente físico não tem direito a atravessar uma rua, já que as calçadas
na sua maior parte não facilitam? A preocupação existe. Seria ótima, se não faltasse uma coisa aqui, outra ali...
E os painéis de ônibus da Avenida Nove de Julho, com tempos de chegada das linhas em tempo real? Foram lançados com barulho. Fiquei orgulhoso. Coisa de
Primeiro Mundo. Pois bem, andam apagados há tempos. Ou seja, temos o painel, gastou-se na tecnologia, mas falta... ligar! Já o teatro do Memorial da América
Latina não tem coxias para os atores esperarem sua deixa! Isso inviabiliza um número imenso de espetáculos, por falta de condições técnicas! É lindo, mas
faltam as... coxias!
Quanto ao Museu da Escultura, seria cômico se não fosse sério! Foi aberto sem ter um acervo de... esculturas! Durante muito tempo foi basicamente alugado
para festas, eventos. Abriga ainda uma feira de antiguidades. Só agora se vêem algumas obras esparsas aqui e ali. Poucas. Seria maravilhoso para uma cidade
ter um Museu da Escultura se... não faltassem as próprias esculturas!
Da mesma forma é o Parque Villa-Lobos. Acredito que seja o único no mundo inaugurado sem árvores. Plantaram-se mudas. Algumas já cresceram, a maior parte
ainda está ganhando corpo. Não houve um sólido projeto de replantio de árvores adultas desde o início. Isso é que é fazer para a posteridade! Seria um
lindo parque se não faltassem... árvores! (Na ocasião, aprovou-se a verba para um teatro de ópera no local. Pelo menos, vi no jornal. Nunca mais ouvi falar!)
Perdi o fôlego! Quanto mais penso, mais lembro. A cidade possui obras e projetos maravilhosos. Idéias não faltam. Mas o duro é que... sempre falta alguma
coisa.
Walcyr Carrasco
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